O Final Do Guarani (Outros Sonetos), Cruz E Sousa
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O poema O final do guarani, do livro Outros Sonetos, é o terceiro texto de uma série iniciada pelo romance O Guarani (1857), de José de Alencar ; seguido da opera Il Guarany, representada em 1870 na Scala de Milano, e escrita por Antonio Scalvini . No romance de Alencar, Peri, o chefe Guarani, e Ceci , a filha de Don Antônio de Mariz , se namoram, mas a religião e os desejos de outros homens ocidentais por Ceci os separam. Ao final, depois da conversão religiosa do Peri , uma inundação leva a palmeira onde os dois tinham procurado refugio e morrem, certos da eternidade do ideal amoroso e religioso. O poema de Cruz e Sousa retoma o tópico do ideal romântico, o seja, do ideal alcançado por meio do amor, e o figura de acordo com a tradição romântica e simbolista: “ Ceci — é a virgem loira das brancas harmonias, / A doce-flor-azul dos sonhos cor de rosa, / Peri — o índio ousado das bruscas fantasias, / O tigre dos sertões — de alma luminosa.”(O final do guarani 1-4).

Fisicamente, Ceci , a mulher portuguesa, é o molde da mulher do arte romântico ocidental: “virgem”, “de cabelos loiros”, “de branca harmonia”; isto é, a ideia de “pureza”, “harmonia”, de “proporção das partes”, da “brancura da pele” e dos “cabelos loiros” definem a esta mulher que não tem nenhuma relação com o cor negro. Porem no segundo verso, ela é a flor azul dos sonhos rosas, em outras palavras, lembrando a tradição romântica da Alemanha, Ceci é a blaue blume de Enrique de Ofterdingen , de Novalis . A flor azul é a encarnação da perfeição do arte e a poesia, é a imaginação que permite ao homem ver e criar beleza no mundo.

Por outro lado, o homem, Peri, não tem cores relacionados com ele, senão só a “luminosidade” da sua alma. Ele é melhor descrito com o varonil adjectivo “ousado”; a conflituosidade da suas, “fantasias bruscas”, tal vez porque era um pagão que amava uma mulher branca, ou tal vez porque era um índio duma raça não branca -o poema não é claro sobre isso . Mas a ousadia do tigre e a luminosidade espiritual são suas características primordiais.

É claro que a estética do poema é romântica: o homem pode elevar-se aos mistérios do infinito por meio do seu amor por uma mulher quem, como Beatriz , deixa ver as suas virtudes cristãs em sua forma física: “Amam-se com o amor indómito e latente / Que nunca foi traçado nem pode ser descrito. / Com esse amor selvagem que anda no infinito. / E brinca nos juncais, — ao lado da serpente.” / (O final do guarani 5-8). O selvagismo do amor não vem da condição não-ocidental de Peri , senão da força sem limites dum sentimento capaz de levá-lo às estrelas e que, ao mesmo tempo, caminha junto ao perigo representado pela serpente, símbolo religioso do cristianismo. Lembremos que na iconografia cristã, Maria é uma mulher ocidental pisando uma serpente, que é o demónio. Porém no poema, a serpente está livre e é um perigo certo.

No romance de Alencar , o pai da moça morre ao explodir o castelo onde morava. Pouco antes, ele tinha baptizado Peri quem, com Ceci , fugia quando começou uma terrível inundação. O terceto primeiro do poema recreia esse passagem assim: “Porém… no lance extremo, o lance pavoroso, / Assim por entre a morte e os tons de um puro gozo, / Dos leques da palmeira a note musical…” (O final do guarani 9-11). No perigo, o homem está entre dois pólos: a morte, que neste caso não é o final, senão o principio da aventura espiritual, e os “tons de um puro gozo”. Curiosamente, a palavra “tom” tem duas significações, por um lado, refere aos matizes e variedades dos cores, e por tanto, é um conceito visual; por outro lado, na música, refere ao intervalo entre um semitom diatónico e outro cromático e, por tanto é um conceito sonoro. Musicalidade e visualização são as características da poesia de Cruz e Sousa, e a situam num lugar especial na poesia moderna, pois esta normalmente é centrada nos sons ou nas imagens. Cruz e Sousa trabalha as dois dimensões e obriga ao leitor a reconstruir o mundo do que fala o poema, senão também a escutar as palavras como musica, “tons” do poema e “tons” do puro gozo da aventura espiritual. Cruz e Sousa está fortemente inscrito na tradição idealista da poesia romântica -e simbolista - europeia e essa deve ser a chave para a interpretação das significações dos cores na sua poesia.

O final do soneto é a reafirmação das observações anteriores. O poema termina com as aguas que levam a palmeira e aos amantes ao meio da noite, à morte certa: “Vão ambos a sorrir, às águas arrojados, / Mansos como a luz, tranquilos, enlaçados / E perdem-se na noite serena do ideal!…” (O final do guarani 12-14). Apesar do perigo, eles vão sorriem porque eles são como a luz, mansos e tranquilos, e não vão a morrer, mas vão à noite serena do ideal. A morte é o principio da aventura espiritual, e não o final. Assim como os namorados vão serenamente à nocturna morte, assim a luz e a escuridão se complementam sem conflitos. Podemos resumir o que ocorre assim: o amor guia aos namorados que podem elevar-se ao mistério do ideal que só pode ser entrevisto depois da morte. A negra escuridão então é símbolo do mistério do universo, acessível por meio da iluminação do amor.

Em resumem, a Natureza tem propriedades cromáticas, como cores, tons e luminosidade; até agora, não há um cor superior a outro, senão um indiferenciado jogo de tons e uma preferência da luminosidade sobre a escuridão. A escuridão é o símbolo do desconhecido, do mistério do universo, ao qual só pode-se chegar através da iluminação do amor. A mulher é a flor azul, o veiculo da ascensão espiritual do homem; ela também é o símbolo da poesia e do arte, símbolo da imaginação que permite ver o mundo novamente e criar beleza nele. Ela é luminosa, como ele, e se juntam na escuridão do mistério ideal do universo. A chave da poesia de Cruz e Sousa e, por tanto, dos significados dos cores nela, é o seu romantismo.

Antônio de Pádua da Costa e Silva (qtd. in Pauli) apresenta a visão cromática na poesía de Cruz e Sousa: o cor branco é a pureza e virgindade; o azul é o sonho, a alegria mística e a elevação; o cor vermelho é a luxúria ou a luta; o amarelo é o tédio e a angústia; o cor violeta é a tristeza; finalmente, o cor negro é o dor e a angústia. Probaremos estas propostas no resto do trabalho.

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