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O poema Antífona, do livro Broquéis, tem o nome de uma composição sagrada, de um hino aos deuses ou uma canção de alegria. As antífonas se cantam a dois vozes, uma responde à outra, e pode ter citações das escrituras cristãs. A leitura do poema, então, deve ter a solenidade do ritual religioso, e o ritmo sagrado da música sagrada. O que é que Antífona celebra? O que é o sagrado no poema? Já vimos parte da resposta ao comentar o romantismo do poema O final do guarani. Completemo-la.
As onze estrofes do poema são uma progressão da eternidade das formas até a inevitável morte. Assim, a primeira e a segunda estrofes são descrições das “Formas do Amor”: elas são formas alvas, brancas e claras, e quando são comparadas com objectos do mundo, são comparadas com luares, neves e neblinas que criam um ambiente de limites difusos; mas quando recebem forma humana, as Formas do Amor tem Formas de Virgens e Santas vaporosas. Vemos que os simbolismos são muito tradicionais: amor, brancura, virgindade - santidade , mulher, todo junto na “Forma”.
“Forma” não é uma palavra vazia, senão o nome do ordem do universo, das essências das coisas que graças a ela podem sair do caos da matéria informe; nesse sentido, a Forma é o ritmo e a harmonia do universo. O Amor então não é o sentimento humano, senão a Harmonia, e as figuras de Virgens e Santas não são referencias às mulheres, senão ao feminino do universo, à Harmonia. Neste contexto, o cor branco tem uma conotação uma mística, relacionada com a religiosidade dos poetas românticos europeios. Por esta razão, as figuras das santas e as virgens não podem ser relacionadas com a idealização da mulher, senão com os símbolos místicos do romantismo , assim como a maior ou menor frequência do uso das palavras relativas aos cores não pode ser ainda relacionada com nenhuma concepção ou sentimento da raça ou do racismo.
A Música Suprema das Formas é apresentada, na estrofe terceira, como “Harmonias da Cor” e “Harmonias do Perfume”. Assim, as Formas adquirem características materiais: “cor” e “perfume” e, junto com seu carácter musical, permitem estabelecer as formas da relação entre o homem e as Formas: a visão para os cores, o olfacto para os perfumes, o ouvido para a musica. Na estrofe quarta, a sentido do gosto será mencionado indirectamente com os “venenos mórbidos e radiantes” que devem ser consumidos pela boca; e na quinta estrofe, o imperativo “fecundai” necessita do contacto físico, táctil, entre os “espíritos” e o “Mistério” dos versos. Em geral, o poema não somente apresenta uma progressão da eternidade das formas até a morte, senão também uma sensualidade na relação entre o homem e as Formas Musicais do Universo.
Contudo também há uma união entre as formas musicais e a morte: à hora do ocaso, o hino é o “ Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume…”. Na seguinte estrofe é mais clara esta presença constante da morte pois os hinos são, por um lado, “Visões, salmos e cânticos serenos,”; por outro lado, também são venenos volúpicos e surdinas soluçantes. A oposição entre estes dois ordenes de coisas se resolve pela paradoxa do “veneno radiante”: morte e escuridão opostas à luz. As características são muitas, mais podem resumir-se em propriedades visuais e rasgos musicais; e sus efeitos no ouvinte podem ser classificados na tristeza causada pelos soluços, e voluptuosa sonolência.
A contradição do “veneno radiante” desaparece na estrofe quinta na qual a voz poética pede aos espíritos que fecundem o Mistério dos versos com a chama de todos os mistérios. Assim, o Mistério do poema é um mistério entre muitos mais, e os espíritos tem a chave flamejante para revelar e fecundar o mistério. O resultado da fecundação e que nos versos cantam as azuis diafaneidades dos Sonhos, as emoções e as castidades da alma. O cor azul, como na flor azul, é o símbolo da imaginação e do arte. Na estrofe sete, os espíritos fecundadores são identificados com os astros que fecundam a rima com seu pólen de ouro. O Ouro não é somente um metal precioso, mais é o cor dourado dos astros fecundadores. Por outro lado, na estrofe oito, as forças originais são um eflúvio nascido do Éter, cujos cores são o rosa -em referencia à mulher- e o dourado. Também, o cor das vitórias é “ fulvo ”, alourado o amarelo-torrado, não obstante as vitorias são “acres”. Assim, a vitoria parece vã por ser acre, e o cor fulvo não é dourado, senão alourado. É a contradição do “veneno radiante” que não pode desaparecer e que levam consigo a possibilidade da frustração e do fracasso . O resultado é o tedio, como em Spleen, das Fleurs du Mal de Baudelaire. Assim, o tedio é simbolizado pelas flores negras e os amores vãos pelas flores vagas. E o tedio leva à o reconhecimento da morte: Nos seus turbilhões quimêricos, o sonho contem tudo o vivo, o nervoso, o quente e o forte que pasam ante a Morte medonha.
Tampouco neste poema pode-se estabelecer uma relação entre a presença dos cores no poema e alguma concepção de raça no nível ideológico. O poema, pelo contrario, apresenta-se como um hino sagrado cuja forma é o ritmo e a harmonia do universo. O poema tem, como toda a poesia de Cruz e Sousa, uma concepção visual e musical da poesia. Seus simbolismos também são tradicionais: a forma junta harmonicamente amor, brancura, pureza e mulher. O Amor é a Harmonia, e as figuras de Virgens e Santas são referencias ao feminino do universo e à pureza da mulher dentro da tradição do romantismo. Antífona apresenta a progressão da eternidade das formas até a morte, também a sensualidade da relação entre o homem e as Formas Musicais do Universo. Os sentidos que usa o homem são a visão para os cores, o olfacto para os perfumes, o ouvido para a musica. Finalmente a paradoxa da oposição da morte e a luz é sinal da inevitável morte.
Também a imagem de Cristo está associada com a luz. No poema Alma que chora (Outros sonetos), a voz poética endereça a João Saldanha e lhe diz que em vão Cristo lhe da exemplo de piedade porque o dor de Saldanha é demasiado grande. Esse Cristo de olhos dulçurosos , cheios da luz, tem um semblante cor de luar dos sonhos venturosos. A luz de lua é um tópico do romantismo alemã, como a blaue blume de Novalis . O poema termina com uma referencia à morte da irmã: “Viste partir a tua irmã, se, viste, / Como num céu enévoado e triste / O bando azul das fúlgidas quimeras…”. O Cor azul tem também relação com a elevação espiritual. Esta combinação de funções vai aparecer em muitos poemas, como veremos.
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