Cruz E Sousa: cores e estetica

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João da Cruz nasceu livre no dia do santo espanhol, um 24 de Novembro do ano 1861. Seu pai deu-lhe o nome do herói brasileiro marechal Guilherme Xavier de Sousa, seu antigo patrão, quem logo, junto com a sua esposa, ajudariam lhe com sua educação.

A vida do poeta é extraordinária. Aos sete anos declamou poemas ao marechal que voltava da guerra. em 1871, foi ao Ateneu Provincial Catarinense ; em 1881 funda o jornal Colombo e, um ano depois, o jornal Folha Popular. 1884 foi um ano muito importante na sua vida porque “pronunciou numerosas conferências de propaganda abolicionista” ( Muricy 28) e assim conseguiu silenciar aos críticos que acusavam-lhe de estar alheio das lutas pela liberdade dos escravos.

Sua actividade política não limitou-se às conferências, mesmo assim incluiu a sua actividade artística :

A edição comemorativa do Centenário, em 1961 (Aguilar Edt.a), trouxe a definitiva demonstração do que o Cisne negro não foi um exclusivo esteticista, com a revelação das seguintes peças: “25 de Março”, “Escravocratas”, “Dilema”, “Auréola Equatorial”, sonetos; “Na Senzala”, “Grito de Guerra”, “Entre Luz e Sombra”, “Sete de Setembro”, poemas; “Dor Negra”, “Consciência Tranquila”, prosas;” (28-9)

O mesmo Muricy cita outros poemas, como “O Padre”, “Pandemonium”, “Crianças Negras” e “Ninguém escreveu mais furiosamente do que o Poeta Negro contra a condenação de sua raça.” (29).
Desde outro punto de vista, Torres afirma que em Cruz e Sousa há uma obsessão com o uso de certas palavras, especialmente às referidas aos cores, e entre eles, o cor branco. Afirma também que essa fixação deve-se à sua raça:

Essa obsessão vocabular, das mais notáveis em escritores brasileiros, deve correr por conta do complexo de cor do Poeta, complexo que tanto o preocupava e afligía…”(42)

Eu acho que Torres se equivoca em dois maneiras: primeiro, ele fala duma obsessão vocabular com cores, afirma que há um cor mais frequente do que os outros, mais no seu livro não há nenhuma estadística, senão somente listas parciais de concordâncias; por conseguinte, é uma impressão sem sustento. Segundo, Ele cai na falácia psicológica pois atribui complexos e sofrimentos a Cruz e Sousa somente a partir duma carta. Acho que se tivesse mil declarações escritas de autor sobre seu sofrimento, ainda não poderia dizer nada sobre a sua psicologia. A obsessão vocabular pelo cor branco parece não de Cruz e Sousa, senão de Torres. Contudo, Torres vê a importância dos cores na poesia de Cruz e Sousa e suas afirmações, não por equivocadas, deixam de ser estimulantes.

Ribeiro (70-72) trata de mostrar as estruturas do pensamento africano no fundo da poesia de Cruz e Sousa. Ele propõe que há rasgos culturais africanos dos que o autor não tinha consciência e que podem ser achados na sua poesia. O interessante de esta conjectura está na possibilidade de estudar se os cores nos poemas tem correspondência com os cores no candomblé. Essa labor permitiria pôr a proba a ousada e discutível teoria de Ribeiro, quem não toma em conta as similaridades entre o panteísmo no arte europeu do século XIX e as diferente religiões panteístas do mundo. Um estudo dos detalhes no uso dos cores permitiria decidir se a teoria é boa o não.

Neste trabalho, estudaremos qualitativamente alguns cores e as suas funções na poesia de Cruz e Sousa. Não faremos um estudo estadístico, ainda, reconhecemos a necessidade de fazer um analise de esse tipo. Com os cores, estudaremos também outros temas dos que não se pode esqueçer, como o amor, a elevação da alma, etc. Assim, faremos uma descripção das relações emtre os cores, a arte poética e, se fosse possível, o raçismo ou a raça negra.

Para terminar, Na poesia de Cruz e Sousa, a Natureza se organiza por meio dos cores, tons e luminosidade. É possível estabelecer uma hierarquia de cores baseados na preferência pela luminosidade sobre a escuridão. Assim, a luz é a ferramenta para entrar na escuridão e conhecer o Mistério do Universo. Nesse sentido, a luz se associa normalmente com o amor ou, o que é o mesmo, com a Harmonia. O amor então não é somente uma emoção humana, mas também é a percepção do ordem do universo. Cruz e Souza vai mais lá pois em Crianças Negras, o amor, que mora no coração, pode liberar ao homem porque a poesia é a harmonia entre o riso e o pranto. O poema então tem um carácter sagrado e uma influenza efectiva no mundo. O cor do amor é o vermelho. Este, unido com o cor azul são os mais importantes cores porquanto o azul é símbolo da imaginação que permite ascender espiritualmente ao homem e, assim como o vermelho e o motor do poema por meio do coração, o azul é o símbolo do arte que transcende. Mais também é símbolo da mulher como o vermelho é símbolo da função do arte de liberar e alimentar aos que sofrem.

Não tinha encontrado referencias raciais nos cores, excepto nos poemas mencionados ao principio de este trabalho, tudos sobre a escravidão. O uso deles é muito convencional: o branco para o homem da chamada raça branca, e o negro ou morado para o homem da chamada raça negra. Nesse sentido, parece fútil procurar uma leitura da poesia de Cruz e Sousa baseada nos cores das raças, e melhor solução seria usar a tradição romântica ou simbolista.

A poesia é então, hino sagrado que se eleva pelo cor azul e que procura a harmonia pelo cor vermelho. O cromatismo visual está acompanhado pela concepção rítmica e musical da poesia. Os símbolos que usa também pertencem a tradição ocidental: a forma é a união harmónica do amor, e a brancura e pureza da mulher podem ser vistas como fruto dessa tradição e não como uma fixação pela mulher branca. Não tenho informação como para decidir por uma dessas possibilidades.

Há uma grão sensualidade na relação entre o homem e as Formas Musicais do Universo: a visão para os cores, o olfacto para os perfumes, o ouvido para a musica. Esta sensualidade é corporal e espiritual. O cor vermelho, cuja importância já conhecemos, é o espírito dionisíaco da embriaguez e o amor, é o alimento e é a luta. A luta tem vários níveis: há uma luta humana para elevar o espírito ao Mistério do Universo, mas também há uma luta pelas rejeições do racismo, como vimos quando limos Eterno Sonho.

Se o cor vermelho se associa com o amor, o coração, o alimento, o conflito com a Natureza, e a liberação dos que sofrem, o cor negro está associado com a matéria dolorosa, o dor do luto e a escuridão. Por outro lado, o Mistério da Natureza está referido pelo cor verde-mar, e o amarelo-tostado pela sagrada luz solar. A transparência pertence ao espírito e a opacidade à matéria.

A estética do poema enfrenta os problemas humanos. O racismo e a escravidão sacaram a Cruz e Sousa da “torre do marfim” na que alguns críticos queriam põe-lo. Se, por um lado, os cores pintam o mundo e o relacionam com o ideal, por outro, o mundo para ele deve ser conteúdo pelo poema que pode cambiar o mundo por meio do equilíbrio entre prazer e dor. Se as religiões africanas influíram na sua concepção dos cores ou não, está ainda por se estudar. Para isso, é necessário examinar todos os usos das palavras relativas aos cores na poesia de Cruz e Sousa e depois compará-los com os significados dos cores no Candomblé catarinense do fines do século XIX . Mas essa é labor para uma teses de doutorado.

Vea también

Obras citadas ou consultadas

Almeida, Sandra Regina Goulart. Beyond the Frontiers of the Word: Cruz e Sousa and the Concept of Symbolist Poetry. Duke-UNC Program in Latin American Studies. Working Paper #2. 1992.
Cruz e Sousa, João de. Bróqueis. Fundação Biblioteca Nacional <http://www.bn.br>. Basado em: Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.
- - Poemas Humorísticos e Irônicos. Fundação Biblioteca Nacional <http://www.bn.br>
- - Poesia interminável. Fundação Biblioteca Nacional <http://www.bn.br>
- - Últimos sonetos. Fundação Biblioteca Nacional <http://www.bn.br>. Basado em: Co-edição: Editora da UFSC, Fundação Casa de Rui Barbosa e FCC. Desterro - Rio de Janeiro 1984.
- - O Livro Derradeiro. A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro. Universidade de São Paulo. <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>. Edição digital de Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.
- - Faróis. Editora Supervirtual LTDA <http://www.supervirtual.com.br>
Magalhães Júnior, Rymundo. Poesia e Vida de Cruz e Sousa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
Muricy Andrade (comp). Para Conhecer Melhor Cruz e Sousa. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1973.
Pauli, Evaldo. "I.- Cor, Som, Perfume na Evocação Cruzeana". Capítulo II, Home Page Dedicada ao Mestre do Simbolismo Brasileiro João da Cruz e Sousa. <http://cfh.ufsc.br/~simpozio/Cruz_e_Souza/cap-II/978sc112.html> 20 de Avril de 2003.
Prêmio Cruz e Sousa (Monografias Premiadas). Organizador: Ramos de Medeiros, Celso Luiz. Brasilia: Congresso Nacional, 1998.
Ribeiro Pinho, Luiz Claudio. “Cruz e Sousa. Simbolismo como Transculturalismo”. Prêmio Cruz e Sousa, 33-83.
Torres, Artur de Almeida. Cruz e Sousa (Aspectos estilísticos). Rio de Janeiro: Livraria São José, 1975.

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